A obra de Machado de
Assis divide-se em duas fases. A primeira, romântica, mostra-se convencional,
tanto no enredo quanto no estilo. De caráter sentimental, os conflitos dos
personagens são superficiais, envolvendo, em geral, dinheiro, casamento e
família, de acordo com o modelo do Romantismo. Na segunda fase, surge Brás
Cubas... Mais a frente falaremos sobre a fase romântica de Machado de Assis. Por ora, ficamos com o romance que inaugurou o Realismo no Brasil.
MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS
Memórias Póstumas de
Brás Cubas é um marco divisor tanto de sua obra quanto da literatura
brasileira, pois é este romance que dá início ao Realismo em nossas letras,
sendo a mais radical experimentação da prosa brasileira até aquele momento.
Machado de Assis é ousado ao apresentar um defunto como narrador e ao eliminar
o sentimentalismo, o moralismo de fachada, o medo de escandalizar os
preconceituosos e a ideia de que o amor sempre deve prevalecer. Além disso,
inaugura a interlocução, ou a conversa com o leitor, rompe com a linearidade do
enredo e escreve microcapítulos digressivos para comentar, explicar e exemplificar
outros capítulos, fragmentando a narrativa tradicional. Suas inovações neste
romance incluem até mesmo a disposição dos tipos nas páginas, em uma criação semelhante
ao que décadas mais tarde faria o movimento concretista.
RESUMO
Depois de um longo delírio, Brás Cubas, o narrador-personagem, morre, aos 64 anos. É então que começa a contar, de trás para a frente, a história de sua vida. Apresenta-se, portanto, como um “defunto autor” e não um “autor defunto”, pois a morte é o pré-requisito de sua narrativa, a qual por isso mesmo será franca, sem medo de ofender a sensibilidade e os padrões morais de sua época. O romance começa pelo funeral, vai daí ao nascimento, à infância e ao primeiro amor adolescente, aos 17, pela prostituta Marcela. Para “curar” essa paixão, o pai o envia para Coimbra, Portugal, em cuja tradicional Universidade, Brás Cubas se forma em Direito, apesar de ser um aluno medíocre. De Portugal retorna ao Brasil por ocasião da morte da mãe. A princípio namora Eugênia, filha de uma amiga pobre de sua família, mas o pai quer casá-lo, por interesse político, com a filha do conselheiro Dutra, chamada Virgília.Esta, apesar de corresponder ao interesse de Brás Cubas, acaba conquistada por Lobo Neves, com quem se casa, por nele ver perspectivas de ascensão social. Segue-se a morte do pai de Brás e um litígio entre este e sua irmã Sabina, casada com Cotrim, por conta da herança paterna. Anos mais tarde, Virgília e Brás Cubas se tornam amantes, encontrando-se em segredo numa casa que fica aos cuidados de dona Plácida, antiga conhecida de Virgília. Nesse meio tempo, o narrador-personagem reencontra um amigo de infância, Quincas Borba, mendigo e filósofo que desenvolve a doutrina do Humanitismo (e dará origem ao próximo romance de Machado de Assis, intitulado justamente“Quincas Borba”). O romance com Virgília evolui, cercado dos riscos inerentes a uma paixão adúltera. Seu ponto mais alto será a indesejada gravidez de Virgília, cujo filho, porém, nasce morto. A relação, então, se desgasta e Lobo Neves, nomeado presidente de província, parte com a mulher para o Norte, o que acaba definitivamente com o caso entre ela e Brás Cubas. Após um breve namoro com a sobrinha do cunhado Cotrim, Brás Cubas tenta, em vão, ser ministro de estado. Funda, a seguir, um jornal de oposição, mas jamais terá sucesso na política. O fim torna a se aproximar. Quincas Borba recebe uma herança e enriquece, mas é acometido de demência. Já idosa, Virgília pede a Brás Cubas que ampare dona Plácida, que se encontra numa condição miserável. Sobrevêm várias mortes: a de Lobo Neves, Marcela, Quincas Borba e da própria dona Plácida. Enquanto pensava em inventar um emplasto milagroso, que havia de torná-lo célebre, Brás Cubas sofre uma pneumonia. Acompanhada do filho de Lobo Neves, Virgília vem visitar o ex-amante. Considerando-se que o fim da história, isto é, a morte do protagonista, já foi narrada no início, o romance se encerra com um capítulo magistral em que Brás Cubas faz um balanço de sua vida. Eis um trecho de seu último parágrafo: “Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. [...] Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
DOM CASMURRO
Dom Casmurro é mais um
romance da segunda fase de Machado de Assis. Tal como em Memórias Póstumas de Brás
Cubas e Quincas Borba, o autor está preocupado em investigar a existência,
apresentando situações-problema que contribuem para desvendar a alma humana.
Dom Casmurro é a história de um suposto adultério, narrado de uma perspectiva
suspeita, a do próprio marido, Bentinho, que viveu uma história de amor infeliz
e com final trágico.
RESUMO
Bento de Albuquerque
Santiago mora na rua de Matacavalos, com sua mãe viúva, D. Glória, a prima
Justina, o tio Cosme e o agregado José Dias. Na casa ao lado, mora Capitolina (apelidada
Capitu), filha de Pádua e Fortunata. Embora a família dela seja pobre e a dele
rica, os dois são criados juntos. Quando o menino chega aos 15 anos e a menina
aos 14, José Dias lembra a D. Glória a promessa que ela fizera de enviar o
filho para o seminário. Essa é a forma que Dias encontra de alertá-la para um
possível relacionamento amoroso entre os jovens, que, no entanto já estão
apaixonados. No seminário Bentinho torna-se amigo de Escobar, outro seminarista
sem vocação. Com a ajuda desse amigo e do próprio José Dias, o rapaz consegue
demover sua mãe de seu desejo de torná-lo padre. Bentinho realiza seu desejo de
ir para São Paulo onde se forma em Direito.
De volta ao Rio de
Janeiro, casa-se afinal com Capitu e, Escobar, por sua vez, casa-se com uma
amiga dela, Sancha, o que fortalece os laços entre os dois casais. No entanto,
Bentinho e Capitu manifestam certo descontentamento por não terem filhos, o que
ocorrerá apenas dois anos mais tarde, quando Capitu dá a luz um menino,
batizado Ezequiel. No entanto, à medida que o menino cresce, Bentinho, que
sempre fora ciumento e inseguro, só reconhece nele as feições de Escobar.
Quando Capitu chora em
excesso no enterro de Escobar, que morre afogado, Bentinho fica completamente
transtornado, pois vê naquele comportamento a prova cabal de suas suspeitas.
Primeiro pensa em suicídio, depois em homicídio e, por fim, opta pela
separação. Expulsa Capitu de casa, e a envia para a Suíça com Ezequiel, onde
ela morre. Adulto, Ezequiel retorna ao Rio de Janeiro e Bentinho não vê no
filho senão o retrato do amigo do seminário. Como era arqueólogo, Ezequiel em
seguida viaja para o Egito e morre pouco depois em Jerusalém. Bentinho,
solitário e magoado, preocupa-se com o passado e procura reinterpretá-lo construindo
no Engenho Novo uma casa idêntica à de Matacavalos. Ali, começa a escrever a história
de sua vida numa última tentativa de se convencer da traição da esposa e
demonstrar ao mundo que não agira mal ao recusar Ezequiel.
UM SONETO PROPOSTO POR MACHADO DE ASSIS
“Esta
sarna de escrever. quando pega aos cinquenta anos, não despega mais. Na
mocidade é possível curar-se um homem dela; e sem ir mais longe, aqui mesmo, no
seminário tive um companheiro que compôs versos, a maneira dos de Junqueira
Freire, cujo livro de frade-poeta era recente. Ordenou-se; anos depois,
encontrei-o no coro de São Pedro e pedi-lhe que me mostrasse os versos novos.
-
Os seus. Pois não se lembra que no seminário...
-
Ah! – sorriu ele.
Sorriu
e, continuando a procurar num livro aberto a hora em que deveria cantar no dia
seguinte, confessou que não fizera mais versos depois de ordenado. Foram
cócegas da mocidade; coçou-se, passou, estava bom. E falou-me em prosa de uma
infinidade de coisas do dia, a vida cara, um sermão do Padre X... uma
vigairaria mineira...”
(Dom
Casmurro – Capítulo LIV – Panegírico de Santa Mônica)
Durante a leitura de Dom
Casmurro, no capítulo seguinte ao trecho sublinhado acima, Bentinho diz:
- Também eu tive o meu panegírico, contarei
a história de um soneto que nunca fiz; era no tempo do seminário, e o primeiro
verso é o que ides ler:
Oh! Flor do céu! Oh!
Flor cândida e pura!
Bentinho fica
impressionado com o verso que lhe saiu da cabeça durante a noite e decidiu-se
por escrever com ele um soneto. Vale destacar a forma como ele fica
impressionado com sua inspiração poética:
A
insônia, musa de olhos arregalados, não me deixou dormir uma longa hora ou duas;
as cócegas, pediam-me unhas, e eu coçava-me com alma.
Decide-se por ser
poeta, antes, porém, teria que escrever o soneto (e o verso, nem verso era, era
somente uma exclamação), “Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!”.
Sei bem eu que essas
decisões tomadas em noites insones têm a força de uma noite. Mas Bentinho antes
de ser poeta tinha uma aspiração: escrever o tal soneto a partir do verso
composto. Quem era a flor? – pergunta-se Bentinho. Logicamente era Capitu. Mas
o soneto não saía.
“Aguardei
o resto, recitando sempre o verso, e deitado, ora sobre o lado direito, ora
sobre o esquerdo; afinal deixei-me estar de costas, com os olhos no teto, mas
nem assim vinha mais nada. Então, adverti que os sonetos mais gabados eram os
que concluíam com chave de ouro, isto é, um desses versos capitais no sentido e
na forma.”
Resolve-se então compor
o último verso, imaginando que tais chaves de ouro eram “fundidas antes da
fechadura”. Depois de muito “suar” o tal décimo quarto verso saiu:
Perde-se a vida,
ganha-se a batalha!
Bem, para não alongar
muito essa história, ao final ele havia composto o primeiro e último verso do
soneto, que considerava, ia sair perfeito. Mas o tal do soneto não saiu. E o
que ficou foi uma licença de Machado de Assis para que algum corajoso topasse o
desafio e escrevesse os demais doze versos do soneto de Bentinho. Eu, num
ataque de “humildade”, topei o desafio. Mais corajoso ainda é que vou publicar
esse soneto aqui, nesta publicação sobre o magistral escritor que está em sua
terceira postagem (Machado de Assis – O bruxo do Cosme Velho, ABL – A casa de
Machado de Assis e agora Machado de Assis – Um pouco de sua obra).
Antes dessa aventura
monumental de escrever em parceria com o mestre, tive eu também que perder horas
de sono tentando encontrar inspiração para escrever o soneto. Uma audácia, mas estava ali e achei um despropósito deixar dois versos assim soltos no tempo. Existe agora um soneto, não sei se alguém mais se atreveu. Vamos lá,
fechando os olhos...
Machadiana
Oh!
Flor do céu! Oh! Flor, cândida e pura!
De
estrelas ornas todo um céu, toda uma vida
Fazes
do Eterno, esse olhar – quanta ternura,
E
pleno de fé e Graça a obra de um lusíada.
O
bem excelso é saber-me teu, minha querida,
E
mal maior não há nem persiste sobre a terra
Do
que perder-te o amor, de ver-te esquecida,
É
a morte, desvalida, é o que o inferno encerra.
O
lume somente das estrelas não te faz justiça,
O
horizonte, o céu, a Casa etérea - alva e rutilante.
O
tempo, em tua ausência, faz do amor, mortalha,
E
tudo finda, ali, naquele negro instante.
Dei-te
tudo, minha Senhora, fica a palavra dita:
Ganha-se
a vida, perde-se a batalha!
QUINCAS BORBA – “AO
VENCEDOR, AS BATATAS.”
RESUMO
Em Barbacena,
Pedro Rubião de Alvarenga, ex-professor primário, torna-se enfermeiro e amigo
do filósofo Quincas Borba. Cerca de seis meses mais tarde, este morre no Rio de
Janeiro. Rubião é nomeado seu herdeiro universal, desde que concorde em cuidar
de seu cachorro, que também se chama Quincas Borba, e no qual o filósofo
acreditava sobreviver após a morte. Com a fortuna
recebida, Rubião, megalomaníaco e ambicioso, resolve trocar a pacata vida
provinciana pela agitação da corte, onde acredita que desfrutará de fama e status
, e parte para o Rio. Na viagem de trem conhece o capitalista Cristiano de
Almeida e Palha e sua esposa Sofia, cuja beleza o encanta. Ingenuamente fala
sobre sua riqueza repentina e com isso desperta o olhar cobiçoso do marido, que
logo oferece sua casa e sua ajuda durante a estada do mineiro na capital.
Extremamente
ingênuo e influenciável, Rubião deixa-se guiar pela amabilidade do casal.
Instala-se num palacete e passa a frequentar a casa de Cristiano, um parasita interesseiro
e desonesto, a quem primeiro faz um empréstimo, mas depois confia cegamente a administração
de todo seu dinheiro. Valendo-se dos encantos de Sofia, sua própria esposa, ambiciosa
e de caráter ambivalente, Cristiano atrai a atenção de Rubião, o qual, com o
tempo se apaixona por Sofia, que, ao mesmo que o encoraja, dispensando-lhe
olhares e delicadezas insinuantes, impõe-lhe certa distância, sem contudo
deixar de seduzi-lo implicitamente. Depois de muitos favores ao casal amigo,
Rubião declara seu amor por Sofia, que o recusa e revela ao marido que foi
cortejada. Cristiano, no entanto, não rompe relações com Rubião, porque
pretende subtrair-lhe o restante da fortuna. Sofia, que até então apenas intuía
sua condição de chamariz, daí em diante tem de desempenhar esse papel
conscientemente. Interessados nos bens de Rubião também estão outros
oportunistas, como o advogado e falso jornalista Camacho, que contribuem para
seu empobrecimento gradual e absoluto. Já o amor não correspondido por Sofia
aos poucos leva Rubião à loucura. Abandonado por todos que se aproveitaram
dele, volta para Barbacena com Quincas Borba, o inseparável cão, seu único
companheiro em toda a aventura no Rio de Janeiro. Depois de passar fome e frio,
morre em casa da comadre Angélica, em seus delírios imaginando-se Napoleão III
e pronunciando a máxima do filósofo Quincas Borba, que só agora ele consegue
entender: “Ao vencedor, as batatas”.
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